sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

ATIVIDADE COMPLEMENTAR DE LEITURA E INTERPRETAÇÃO TEXTTUAL 02

 

                                            O LIXO

                     De LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo.

É a primeira vez que se falam.

– Bom dia...

– Bom dia.

– A senhora é do 610.

– E o senhor do 612

– É.

– Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...

– Pois é...

– Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...

– O meu quê?

– O seu lixo.

– Ah...

– Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...

– Na verdade sou só eu.

– Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.

– É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...

– Entendo.

– A senhora também...

– Me chame de você.

– Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...

– É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como

moro sozinha, às vezes sobra...

– Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...

– A senhora... Você não tem família?

– Tenho, mas não aqui.

– No Espírito Santo.

– Como é que você sabe?

– Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.

– É. Mamãe escreve todas as semanas.

– Ela é professora?

– Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?

– Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.

– O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.

– Pois é...

– No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.

– É.

– Más notícias?

– Meu pai. Morreu.

– Sinto muito.

– Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.

– Foi por isso que você recomeçou a fumar?

– Como é que você sabe?

– De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro

amassadas no seu lixo.

– É verdade. Mas consegui parar outra vez.

– Eu, graças a Deus, nunca fumei.

– Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...

– Tranquilizantes. Foi uma fase. Já passou.

– Você brigou com o namorado, certo?

– Isso você também descobriu no lixo?

– Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora.

Depois, muito lenço de papel.

– É, chorei bastante, mas já passou.

– Mas hoje ainda tem uns lencinhos...

– É que eu estou com um pouco de coriza.

– Ah.

– Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.

– É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.

– Namorada?

– Não.

– Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até

bonitinha.

– Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.

– Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer

que ela volte.

– Você já está analisando o meu lixo!

– Não posso negar que o seu lixo me interessou.

– Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.

– Não! Você viu meus poemas?

– Vi e gostei muito.

– Mas são muito ruins!

– Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam

dobrados.

– Se eu soubesse que você ia ler...

– Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que,

não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?

– Acho que não. Lixo é domínio público.

– Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que

sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é

comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?

– Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...

– Ontem, no seu lixo...

– O quê?

– Me enganei, ou eram cascas de camarão?

– Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.

– Eu adoro camarão.

– Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...

– Jantar juntos?

– É.

– Não quero dar trabalho.

– Trabalho nenhum.

– Vai sujar a sua cozinha?

– Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.

– No seu lixo ou no meu?

(VERISSIMO, Luis Fernando. O melhor das comédias da vida privada.

Rio de janeiro: Objetiva, 2004)

 

Entendendo a crônica:

 

01 – É possível concluir, a partir da leitura do texto que:

a)   O lixo produzido pelas pessoas é um dos maiores causadores dos problemas ambientais urbanos.

b)   É preciso acondicionar corretamente o lixo para evitar os problemas ambientais.

c)   O lixo pode ser uma fonte de informação sobre as pessoas que o produzem.

d)   É possível apaixonar-se pelo lixo do outro.

 

02 – O texto é uma crônica porque:

a)   É um texto leve e bem humorado, com linguagem acessível e marcas da oralidade.

b)   É um texto leve e bem humorado, rico em vocabulário elevado e cheio de expressões antigas.

c)   É um texto elaborado para ser publicado em livro e, por isso, apresenta uma ligação com o momento em que foi realizado.

d)   É um texto literário e repleto de recursos poéticos, como metáforas e metonímias.

03 – Há identificação do tempo e do lugar de onde acontecem os fatos narrados?

      A identificação de tempo e de lugar também é muito vaga, pois podemos apenas identificar trata-se de um prédio de apartamentos, pela forma como os personagens se referem (a senhora do 610, o senhor do 612).

 

04 – Onde aconteceu o primeiro encontro das personagens?

a)   Dentro do apartamento.

b)   Na área de serviço.

c)   Na cozinha.

d)   No quarto do senhor do 612.

 

05 – Em “Isso” é incrível! Como você adivinhou? O elemento destacado retoma qual informação no texto?

a)   Envelopes no lixo da senhora.

b)   Família da senhora.

c)   Indiscrição do senhor.

d)   Pai da senhora.

 

06 – De acordo com o texto, qual elemento que faz o senhor chegar à conclusão que a senhora tinha brigado com o namorado?

a)   Buquê de flores jogado no lixo.

b)   Carteira de cigarros amassados no lixo.

c)   Fotografia rasgada.

d)   Telegrama amassado no lixo.

 

07 – Qual a finalidade do texto?

a)   Anunciar a importância do lixo.

b)   Informar um fato acontecido na rua.

c)   Relatar conflitos entre vizinhos.

d)   Relatar um início de um relacionamento.

 

08 – O rompimento do namoro do homem foi revelado:

a)   Pela fotografia.

b)   Pelas cartas amassadas.

c)   Pelo buquê de flores.

d)   Pelos poemas escritos.

 

09 – Qual foi o pretexto utilizado pelos personagens para o início da conversa?

a)   A família.

b)   O lixo.

c)   O namorado.

d)   O pai.

10 – Na oração “Na verdade sou só eu”, o “eu” se refere a quem?

a)   Lixeiro.

b)   Senhor.

c)   Serviçal.

d)   Senhora.

 

11 – Todo o diálogo revela uma característica muito comum entre os habitantes das grandes cidades. Qual característica é essa?

a)   Amor aos bens materiais.

b)   Medo da violência.

c)   Poluição das grandes cidades.

d)   Solidão e ausência da família.

 

12 – Pelo texto, o que fez a mulher perceber que o homem recomeçou a fumar?

a)   A distância do pai.

b)   A morte do pai.

c)   O fim do romance.

d)   Os comprimidos.

 

13 – O diálogo introduz aos poucos, muitas informações sobre as personagens. Isso revela que:

a)   Eles já se conheciam há muito tempo.

b)   Eles não simpatizavam um com outro.

c)   Eles possuíam hábitos em comum.

d)   Eles sabiam muito da vida um do outro.

 

14 – De acordo com o que você compreendeu acerca da crônica, é possível afirmar que:

a)   Um texto só pode ser considerado crônica se ele estiver publicado em um jornal ou em uma revista.

b)   Um texto pode ser considerado crônica por apresentar algumas características peculiares a esse gênero, como a ligação a algum fato do cotidiano, as marcas de subjetividade do autor, entre outros.

c)   Um texto pode ser considerado crônica sempre que for narrativo, apresentar marcas de oralidade e determinações do tempo e do lugar onde foi produzido.

 

15 – Observe o trecho em destaque abaixo e explique, de acordo com a sua opinião e baseado na leitura do texto, por que o autor afirma que o lixo é comunitário e social. “Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social”.

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16 – O texto é construído com base nas informações que o cronista colhe nos lugares que percorre cotidianamente. Que fato desencadeou os acontecimentos narrados na crônica?

      Nessa crônica em especial, vemos como o autor parte de um fato bem comum, do dia-a-dia, o fato de ir colocar o lixo fora, para elaborar um enredo em que os personagens acabam por interessar-se um pelo outro à partir de seu diálogo sobre o lixo.

17 – Existe marcas de oralidade nessa crônica? Confirme com um trecho do texto.

      Nesta crônica, o diálogo é o elemento mais marcante de todo o texto, o que implica em uma grande presença da oralidade, através não só de marcas estruturais, como a pontuação.

      Ex.: “-- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...

              -- Tranquilizantes. Foi uma fase. Já passou.”

 

18- Onde se encontram os vizinhos? O que fazem nesse lugar? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

19-  É normal que as pessoas se apresentem dizendo os seus nomes, mas não foi o caso desses vizinhos. Como eles se apresentam um ao outro? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

20- A partir do lixo, ambos se veem engajados em um jogo de formulação de hipóteses acerca do outro. Em quais “lixos” são fundamentadas tais hipóteses?

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21- Verissimo utilizou o lixo como pretexto para falar da personalidade dos dois vizinhos, associando-o a características pessoais, hábitos e acontecimentos da vida deles. Essa é uma situação normal, afinal são duas pessoas que querem se conhecer e usam o que está ao seu alcance para saber mais sobre o outro. Através de que outras “dicas” as pessoas podem indicar sobre sua personalidade, preferências, profissão etc.?

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22- O texto Lixo, de Luís Fernando Veríssimo, traz uma crítica a um aspecto da vida em sociedade. Qual é a crítica presente no texto?

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23- O que podemos encontrar no teu lixo? argumente sobre.

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BIOGRAFIA


Luís Fernando Verissimo
 nasceu no dia 26 de setembro de 1936, em Porto Alegre. É filho do escritor Erico Lopes Verissimo e Mafalda Verissimo. Passou boa parte da infância e da adolescência nos Estados Unidos acompanhando o pai, que lecionava literatura em uma universidade da Califórnia.

De volta ao Brasil, aos vinte anos, iniciou sua carreira profissional no departamento de arte da Editora Globo. Apaixonado pelo jazz, em 1960, ingressou em um grupo musical chamado Renato e seu Sexteto, como saxofonista, e passou a tocar em alguns bailes de Porto Alegre. Dois anos mais tarde, mudou-se para a capital do Rio de Janeiro para trabalhar como tradutor e redator publicitário.

Em 1963, casou-se com Lúcia Helena Massa, com quem teve três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro. No final da década de 1960, atuou profissionalmente como redator publicitário na agência MPM Propaganda e no jornal Folha da Manhã, onde publicou alguns contos e crônicas e também manteve uma coluna diária até 1975, escrevendo a respeito de literatura, cinema, política, esporte, música e gastronomia.

Em 1967, Luís Fernando Verissimo voltou a viver em Porto Alegre para trabalhar como revisor de textos no jornal Zero Hora. Em 1969, passou a escrever uma coluna diária no mesmo jornal sobre assuntos relacionados, principalmente, com o futebol.

Sua primeira coletânea de textos, intitulada O Popular: crônicas ou coisa parecida, foi publicada em 1973 pela editora José Olympio. Dois anos mais tarde, ingressou no Jornal do Brasil e publicou uma coletânea de crônicas, A grande mulher nua, e uma coletânea de cartuns, intitulada As Cobras.

O quinto livro de crônicas, Ed Mort e outras histórias, foi publicado em 1979 pela editora L&PM, pela qual publicou outras obras durante um período de vinte anos.

Ed Mort, a Velhinha de Taubaté, o Analista de Bagé, Dora Avante e as Cobras são algumas das muitas personagens criadas pelo autor que ficaram bastante conhecidas pelos leitores em razão do perfil caricatural e cômico atribuído a elas.

Luís Fernando Verissimo recebeu alguns prêmios como reconhecimento de sua vasta produção literária, como o prêmio Isenção Jornalística e o prêmio Troféu Juca Pato (intelectual do ano). Luís Fernando Verissimo e Erico Verissimo foram homenageados, em 1999, como enredo da escola de samba Unidos de Vila Isabel.

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