CRÔNICA: O SELVAGEM - WALCR CARRASCO - COM GABARITO
Crônica: O selvagem Walcyr Carrasco
Saía para a balada todas as
noites. Pai e mãe descabelados. Dormia até tarde. Apareceu com uma tatuagem no
braço. Um desenho que não parecia fazer sentido.
--
O que é, meu filho? – gemeu a mãe.
--
Tribal.
Logo
a mãe descobriu que existem “escolas” de tatuagem: tribais. Étnicas, new age...
O
pai quase teve um infarto. Piorou quando soube que a turminha do prédio estava
se reunindo em um apartamento vazio, com três velhos colchões jogados. O
porteiro dedou:
--
Ficam lá, a noite toda, ouvindo música...
Foram
expulsos. A tia comentou:
--
Se ao menos ele tivesse uma boa namorada!
Apareceu
uma candidata. Tinha piercing nas sobrancelhas. A mãe tentou se conformar.
--
Até que é bonitinho!
Ela
abriu a boca para agradecer. Também tinha piercing na língua!
De
noite, a mãe quis aconselhar.
--
Meu filho, e se sua língua ficar presa?
O
rapaz olhou-a como se fosse marciana.
--
Tá me tirando, mãe?
Outra
surpresa:
--
Ah, meu filho, a traça roeu sua camiseta. Está cheia de furinhos.
--
Comprei assim. É lançamento.
Viu
a etiqueta da grife italiana. Adquirida em dez prestações no cartão!
--
Você pagou tanto por uma camiseta furada!
De
noite, na solidão do quarto, o pai se contorcia.
--
O que vai ser desse rapaz?
Prestou
vestibular. Para surpresa de todos, passou. Faculdade em uma cidade próxima.
Dali a alguns meses, anunciou:
--
Arrumei trabalho!
Alívio.
--
Qual o salário?
--
É voluntário. Em uma ONG para proteger os meninos de rua!
O
casal fugiu para o cinema. Durante a pizza, o pai vociferava:
--
Pode se dar ao luxo de ser voluntário porque tem quem o sustente! No meu tempo
eu só pensava em comprar um carro novo!
A
mãe refletiu. Anos a fio, trocando de carro. Seria tão bom não ter esse tipo de
preocupação!
O
marido insistiu. Era o caso de chamar um terapeuta. Marcaram consulta.
--
Para quê? Não preciso de terapia!
--
Você precisa conversar, tem de tomar rumo na vida! – explicou o pai.
A
custo, foi convencido. Não sem alguma chantagem financeira.
O
psicólogo o recebeu em uma sala aconchegante, com poltronas.
--
Por que veio aqui?
--
Meu pai mandou. Eu mesmo não tinha a menor vontade.
Péssimo
começo.
--
Não costumo receber ninguém porque o pai mandou. Estudei com sua mãe. Estou
aqui coo amigo. Não considere que é uma consulta.
--
Meus pais não me entendem.
--
Quem sabe você possa me dizer por quê?
--
Eu quero qualidade de vida, sabe? Não passar o tempo todo me matando para ter
coisas. Quem sabe mais tarde vou morar numa praia... e trabalhar com alguma
coisa de que eu goste. Sei lá, entrei numa ONG...
O
terapeuta observou as tatuagens (agora já eram cinco), o brinco ousado, a
camiseta torta. Cabelos espetados. Atrás da aparência selvagem, reconheceu seu
passado. Em sua época, a juventude também fora assim. Com projetos de vida.
Teve uma sensação de alegria, porque afinal... a juventude continuava sendo...
a juventude.
--
O que você mais quer? – perguntou.
--
Dividir a vida com alguém. O mundo anda complicado, tanta doença... Eu queria
ter uma ralação fixa. Eu só dela, ela só minha!
Sorriu:
--
Quem sabe ter um filho, mais tarde.
Despediu-se
do terapeuta com um abraço. O profissional ligou.
--
Qual o problema do meu filho? – quis saber o pai.
--
O problema é nosso, que esquecemos como fomos. E, parafraseando a música, nos
tornamos como nossos pais.
--
Ahn?
Quando
o pai desligou, sorria. Tudo era muito diferente, mas, no fundo, igual!
Quem
disse que os jovens não têm mais sonhos?
Walcyr
Carrasco. Veja São Paulo, 8/6/2005.
Fonte:
Livro – Português: Linguagem, 8ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar
Magalhães, 4ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2006. p. 158-159.
Entendendo a crônica:
01 – Qual é o principal conflito apresentado na crônica? O principal
conflito é o choque de gerações entre os pais e o filho, evidenciado pelas
diferenças de comportamento, valores e expectativas em relação à vida.
02 – Como os pais reagem às mudanças no comportamento do filho? Os pais
reagem com preocupação, estranhamento e até desespero, tentando entender e
controlar as atitudes do filho, que fogem do padrão que eles consideram
"normal".
03 – Quais são os principais símbolos da rebeldia do filho? Os
principais símbolos são a tatuagem tribal, o piercing na língua da namorada, as
roupas rasgadas de grife e a decisão de trabalhar como voluntário em uma ONG.
04 – Qual a importância da figura do terapeuta na crônica? O terapeuta
representa um ponto de equilíbrio entre as gerações, pois compreende tanto a
angústia dos pais quanto a busca por sentido do filho. Ele ajuda os pais a
perceberem que, apesar das diferenças, os jovens ainda têm sonhos e valores.
05 – Qual a crítica social presente na crônica? A crônica
critica a superficialidade e o materialismo da sociedade moderna, representados
pela obsessão dos pais em "comprar um carro novo", em contraste com o
desejo do filho por "qualidade de vida" e trabalho voluntário.
06 – Como o autor utiliza o humor na crônica? O autor utiliza o humor para suavizar a tensão entre as gerações,
através de situações cômicas como a reação da mãe ao piercing na língua da
namorada e a incompreensão dos pais em relação à camiseta rasgada de grife.
07 – Qual o significado do título "O Selvagem"? O título é
irônico, pois o filho é visto como "selvagem" pelos pais devido ao
seu comportamento rebelde, mas na verdade ele busca valores mais humanos e
significativos, em contraste com o "selvagem" mundo materialista dos
pais.
08 – Qual a mensagem final da crônica? A
mensagem final é que, apesar das aparências e das diferenças de comportamento,
os jovens ainda têm sonhos e valores, e que é importante que os pais
compreendam e respeitem as escolhas dos filhos.
09 – Qual a visão do pai sobre o trabalho voluntário do filho? O pai tem
uma visão negativa sobre o trabalho voluntário, pois acredita que o filho
deveria estar preocupado em ganhar dinheiro e ter sucesso material, como ele
próprio.
10 – O que o terapeuta quis dizer com a frase "nos tornamos como
nossos pais"? O
terapeuta quis dizer que, com o tempo, os pais tendem a repetir os mesmos
padrões e valores que criticavam em seus próprios pais, esquecendo-se de como
eram quando jovens e de seus próprios ideais.
Questões
de múltipla escolha
Descritor D1 – Localizar
informações explícitas em um texto
- O
que havia no apartamento onde os jovens se reuniam?
a) Computadores e bebidas
b) Três colchões jogados
c) Móveis antigos
d) Aparelhos de som modernos - Qual
foi a reação do pai ao saber do grupo reunido no apartamento?
a) Ficou feliz com a socialização
b) Ignorou o fato
c) Quase teve um infarto
d) Chamou a polícia - Que
tipo de trabalho o filho passou a fazer?
a) Vendedor em uma loja
b) Motorista de aplicativo
c) Trabalho voluntário em uma ONG
d) Assistente de escritório - Onde
o filho passou no vestibular?
a) Em uma universidade no exterior
b) Em uma faculdade de uma cidade próxima
c) Na mesma cidade em que morava
d) Em uma universidade online - Como
o filho responde à preocupação da mãe sobre o piercing na língua da
namorada?
a) Explica os cuidados de higiene
b) Diz que é moda
c) Olha para a mãe como se ela fosse de outro planeta
d) Fica em silêncio
Descritor D2 – Estabelecer
relações entre partes de um texto, identificando repetições, substituições ou
relações lógico-discursivas
- O
trecho "Tá me tirando, mãe?" revela:
a) Um pedido de desculpas
b) A incompreensão do filho frente à preocupação da mãe
c) Uma ironia do terapeuta
d) Um elogio à mãe - O
uso do verbo “gemeu” na fala da mãe ao perguntar sobre a tatuagem sugere:
a) Desespero ou preocupação
b) Ironia ou deboche
c) Felicidade e orgulho
d) Desinteresse - O
trecho “comprei assim. É lançamento.” serve para:
a) Criticar os jovens que não se vestem bem
b) Mostrar que a camiseta furada fazia parte de uma moda cara
c) Mostrar a falta de bom gosto
d) Revelar que o filho não cuida de suas roupas - A
frase final do terapeuta “nos tornamos como nossos pais” remete à ideia
de:
a) Que os pais são sempre melhores
b) Que os adultos repetem os padrões de comportamento anteriores
c) Que os filhos são irresponsáveis
d) Que os jovens devem ser mais obedientes - O
trecho “Tudo era muito diferente, mas, no fundo, igual!” indica que:
a) O jovem era exatamente como o pai
b) O pai agora concordava com tudo
c) Apesar das mudanças externas, os sonhos e conflitos entre gerações permanecem
d) Os filhos não deveriam mudar tanto
Descritor D5 – Estabelecer
relações causa/consequência entre partes do texto
- Qual
foi a consequência da reunião dos jovens no apartamento vazio?
a) A mãe ficou feliz com a amizade do filho
b) Foram expulsos do local
c) O filho ganhou respeito dos vizinhos
d) Os pais passaram a frequentar o local - O
que levou os pais a procurarem um terapeuta?
a) O filho ficou doente
b) A mãe pediu ajuda profissional
c) O comportamento do filho e sua recusa em seguir o padrão esperado
d) O terapeuta era amigo da família - O
que motivou a surpresa dos pais ao saberem do trabalho voluntário?
a) O filho nunca tinha trabalhado
b) O filho ia ganhar muito dinheiro
c) O trabalho não era remunerado e ele ainda dependia deles
d) O trabalho era perigoso
Descritor D6 – Identificar o
efeito de sentido decorrente do uso de pontuação e de outras notações
- No
trecho “Tá me tirando, mãe?”, o ponto de interrogação seguido da vírgula
sugere:
a) Declaração neutra
b) Elogio à mãe
c) Ironia e surpresa
d) Silêncio - O
uso da interjeição “Ahn?” no final da crônica mostra:
a) Um elogio
b) A surpresa/confusão do pai ao ouvir a resposta do terapeuta
c) O tédio do personagem
d) A aceitação imediata do filho
Descritor D9 – Identificar a tese
de um texto
- Qual
é a tese principal da crônica?
a) Os jovens são irresponsáveis e inconsequentes
b) As famílias devem controlar rigidamente os filhos
c) A juventude continua tendo sonhos, apesar das diferenças geracionais
d) A terapia é a única solução para conflitos familiares
Descritor D13 – Inferir
informações implícitas em um texto
- O
que se pode inferir da atitude final do pai após falar com o terapeuta?
a) Ele continua sem entender o filho
b) Ele passou a compreender melhor o filho e a si mesmo
c) Ele decide afastar-se da família
d) Ele considera internar o filho - O
terapeuta não cobrou pela consulta porque:
a) Queria ajudar o filho a fugir dos pais
b) Achou o caso sem importância
c) Era amigo da mãe do rapaz e quis ajudar de forma informal
d) Já conhecia o rapaz de outro lugar - O
que sugere o fato de o rapaz desejar "dividir a vida com alguém"
e “ter um filho”?
a) Que ele não quer responsabilidades
b) Que ele deseja uma vida afetiva estável, apesar da aparência rebelde
c) Que ele é ingênuo e infantil
d) Que ele quer enganar os pais - Ao
longo da crônica, a imagem construída do rapaz mostra que:
a) Ele é rebelde sem causa
b) Ele tem valores próprios, embora não sejam compreendidos pelos pais
c) Ele se recusa a estudar
d) Ele busca se afastar da família para sempre
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