terça-feira, 3 de junho de 2025

CRÔNICA: O SELVAGEM - WALCR CARRASCO - COM GABARITO

 

CRÔNICA: O SELVAGEM - WALCR CARRASCO - COM GABARITO

 

Crônica: O selvagem                      Walcyr Carrasco

        

Saía para a balada todas as noites. Pai e mãe descabelados. Dormia até tarde. Apareceu com uma tatuagem no braço. Um desenho que não parecia fazer sentido.

        -- O que é, meu filho? – gemeu a mãe.

        -- Tribal.

Pessoa com a mão na cintura

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        Logo a mãe descobriu que existem “escolas” de tatuagem: tribais. Étnicas, new age...

        O pai quase teve um infarto. Piorou quando soube que a turminha do prédio estava se reunindo em um apartamento vazio, com três velhos colchões jogados. O porteiro dedou:

        -- Ficam lá, a noite toda, ouvindo música...

        Foram expulsos. A tia comentou:

        -- Se ao menos ele tivesse uma boa namorada!

        Apareceu uma candidata. Tinha piercing nas sobrancelhas. A mãe tentou se conformar.

        -- Até que é bonitinho!

        Ela abriu a boca para agradecer. Também tinha piercing na língua!

        De noite, a mãe quis aconselhar.

        -- Meu filho, e se sua língua ficar presa?

        O rapaz olhou-a como se fosse marciana.

        -- Tá me tirando, mãe?

        Outra surpresa:

        -- Ah, meu filho, a traça roeu sua camiseta. Está cheia de furinhos.

        -- Comprei assim. É lançamento.

        Viu a etiqueta da grife italiana. Adquirida em dez prestações no cartão!

        -- Você pagou tanto por uma camiseta furada!

        De noite, na solidão do quarto, o pai se contorcia.

        -- O que vai ser desse rapaz?

        Prestou vestibular. Para surpresa de todos, passou. Faculdade em uma cidade próxima. Dali a alguns meses, anunciou:

        -- Arrumei trabalho!

        Alívio.

        -- Qual o salário?

        -- É voluntário. Em uma ONG para proteger os meninos de rua!

        O casal fugiu para o cinema. Durante a pizza, o pai vociferava:

        -- Pode se dar ao luxo de ser voluntário porque tem quem o sustente! No meu tempo eu só pensava em comprar um carro novo!

        A mãe refletiu. Anos a fio, trocando de carro. Seria tão bom não ter esse tipo de preocupação!

        O marido insistiu. Era o caso de chamar um terapeuta. Marcaram consulta.

        -- Para quê? Não preciso de terapia!

        -- Você precisa conversar, tem de tomar rumo na vida! – explicou o pai.

        A custo, foi convencido. Não sem alguma chantagem financeira.

        O psicólogo o recebeu em uma sala aconchegante, com poltronas.

        -- Por que veio aqui?

        -- Meu pai mandou. Eu mesmo não tinha a menor vontade.

        Péssimo começo.

        -- Não costumo receber ninguém porque o pai mandou. Estudei com sua mãe. Estou aqui coo amigo. Não considere que é uma consulta.

        -- Meus pais não me entendem.

        -- Quem sabe você possa me dizer por quê?

        -- Eu quero qualidade de vida, sabe? Não passar o tempo todo me matando para ter coisas. Quem sabe mais tarde vou morar numa praia... e trabalhar com alguma coisa de que eu goste. Sei lá, entrei numa ONG...

        O terapeuta observou as tatuagens (agora já eram cinco), o brinco ousado, a camiseta torta. Cabelos espetados. Atrás da aparência selvagem, reconheceu seu passado. Em sua época, a juventude também fora assim. Com projetos de vida. Teve uma sensação de alegria, porque afinal... a juventude continuava sendo... a juventude.

        -- O que você mais quer? – perguntou.

        -- Dividir a vida com alguém. O mundo anda complicado, tanta doença... Eu queria ter uma ralação fixa. Eu só dela, ela só minha!

        Sorriu:

        -- Quem sabe ter um filho, mais tarde.

        Despediu-se do terapeuta com um abraço. O profissional ligou.

        -- Qual o problema do meu filho? – quis saber o pai.

        -- O problema é nosso, que esquecemos como fomos. E, parafraseando a música, nos tornamos como nossos pais.

        -- Ahn?

        Quando o pai desligou, sorria. Tudo era muito diferente, mas, no fundo, igual!

        Quem disse que os jovens não têm mais sonhos?

Walcyr Carrasco. Veja São Paulo, 8/6/2005.

Fonte: Livro – Português: Linguagem, 8ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 4ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2006. p. 158-159.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o principal conflito apresentado na crônica? O principal conflito é o choque de gerações entre os pais e o filho, evidenciado pelas diferenças de comportamento, valores e expectativas em relação à vida.

02 – Como os pais reagem às mudanças no comportamento do filho? Os pais reagem com preocupação, estranhamento e até desespero, tentando entender e controlar as atitudes do filho, que fogem do padrão que eles consideram "normal".

03 – Quais são os principais símbolos da rebeldia do filho? Os principais símbolos são a tatuagem tribal, o piercing na língua da namorada, as roupas rasgadas de grife e a decisão de trabalhar como voluntário em uma ONG.

04 – Qual a importância da figura do terapeuta na crônica? O terapeuta representa um ponto de equilíbrio entre as gerações, pois compreende tanto a angústia dos pais quanto a busca por sentido do filho. Ele ajuda os pais a perceberem que, apesar das diferenças, os jovens ainda têm sonhos e valores.

05 – Qual a crítica social presente na crônica? A crônica critica a superficialidade e o materialismo da sociedade moderna, representados pela obsessão dos pais em "comprar um carro novo", em contraste com o desejo do filho por "qualidade de vida" e trabalho voluntário.

06 – Como o autor utiliza o humor na crônica?  O autor utiliza o humor para suavizar a tensão entre as gerações, através de situações cômicas como a reação da mãe ao piercing na língua da namorada e a incompreensão dos pais em relação à camiseta rasgada de grife.

07 – Qual o significado do título "O Selvagem"? O título é irônico, pois o filho é visto como "selvagem" pelos pais devido ao seu comportamento rebelde, mas na verdade ele busca valores mais humanos e significativos, em contraste com o "selvagem" mundo materialista dos pais.

08 – Qual a mensagem final da crônica?  A mensagem final é que, apesar das aparências e das diferenças de comportamento, os jovens ainda têm sonhos e valores, e que é importante que os pais compreendam e respeitem as escolhas dos filhos.

09 – Qual a visão do pai sobre o trabalho voluntário do filho? O pai tem uma visão negativa sobre o trabalho voluntário, pois acredita que o filho deveria estar preocupado em ganhar dinheiro e ter sucesso material, como ele próprio.

10 – O que o terapeuta quis dizer com a frase "nos tornamos como nossos pais"? O terapeuta quis dizer que, com o tempo, os pais tendem a repetir os mesmos padrões e valores que criticavam em seus próprios pais, esquecendo-se de como eram quando jovens e de seus próprios ideais.

Questões  de múltipla escolha

 

Descritor D1 – Localizar informações explícitas em um texto

  1. O que havia no apartamento onde os jovens se reuniam?
    a) Computadores e bebidas
    b) Três colchões jogados
    c) Móveis antigos
    d) Aparelhos de som modernos
  2. Qual foi a reação do pai ao saber do grupo reunido no apartamento?
    a) Ficou feliz com a socialização
    b) Ignorou o fato
    c) Quase teve um infarto
    d) Chamou a polícia
  3. Que tipo de trabalho o filho passou a fazer?
    a) Vendedor em uma loja
    b) Motorista de aplicativo
    c) Trabalho voluntário em uma ONG
    d) Assistente de escritório
  4. Onde o filho passou no vestibular?
    a) Em uma universidade no exterior
    b) Em uma faculdade de uma cidade próxima
    c) Na mesma cidade em que morava
    d) Em uma universidade online
  5. Como o filho responde à preocupação da mãe sobre o piercing na língua da namorada?
    a) Explica os cuidados de higiene
    b) Diz que é moda
    c) Olha para a mãe como se ela fosse de outro planeta
    d) Fica em silêncio

Descritor D2 – Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições, substituições ou relações lógico-discursivas

  1. O trecho "Tá me tirando, mãe?" revela:
    a) Um pedido de desculpas
    b) A incompreensão do filho frente à preocupação da mãe
    c) Uma ironia do terapeuta
    d) Um elogio à mãe
  2. O uso do verbo “gemeu” na fala da mãe ao perguntar sobre a tatuagem sugere:
    a) Desespero ou preocupação
    b) Ironia ou deboche
    c) Felicidade e orgulho
    d) Desinteresse
  3. O trecho “comprei assim. É lançamento.” serve para:
    a) Criticar os jovens que não se vestem bem
    b) Mostrar que a camiseta furada fazia parte de uma moda cara
    c) Mostrar a falta de bom gosto
    d) Revelar que o filho não cuida de suas roupas
  4. A frase final do terapeuta “nos tornamos como nossos pais” remete à ideia de:
    a) Que os pais são sempre melhores
    b) Que os adultos repetem os padrões de comportamento anteriores
    c) Que os filhos são irresponsáveis
    d) Que os jovens devem ser mais obedientes
  5. O trecho “Tudo era muito diferente, mas, no fundo, igual!” indica que:
    a) O jovem era exatamente como o pai
    b) O pai agora concordava com tudo
    c) Apesar das mudanças externas, os sonhos e conflitos entre gerações permanecem
    d) Os filhos não deveriam mudar tanto

Descritor D5 – Estabelecer relações causa/consequência entre partes do texto

  1. Qual foi a consequência da reunião dos jovens no apartamento vazio?
    a) A mãe ficou feliz com a amizade do filho
    b) Foram expulsos do local
    c) O filho ganhou respeito dos vizinhos
    d) Os pais passaram a frequentar o local
  2. O que levou os pais a procurarem um terapeuta?
    a) O filho ficou doente
    b) A mãe pediu ajuda profissional
    c) O comportamento do filho e sua recusa em seguir o padrão esperado
    d) O terapeuta era amigo da família
  3. O que motivou a surpresa dos pais ao saberem do trabalho voluntário?
    a) O filho nunca tinha trabalhado
    b) O filho ia ganhar muito dinheiro
    c) O trabalho não era remunerado e ele ainda dependia deles
    d) O trabalho era perigoso

Descritor D6 – Identificar o efeito de sentido decorrente do uso de pontuação e de outras notações

  1. No trecho “Tá me tirando, mãe?”, o ponto de interrogação seguido da vírgula sugere:
    a) Declaração neutra
    b) Elogio à mãe
    c) Ironia e surpresa
    d) Silêncio
  2. O uso da interjeição “Ahn?” no final da crônica mostra:
    a) Um elogio
    b) A surpresa/confusão do pai ao ouvir a resposta do terapeuta
    c) O tédio do personagem
    d) A aceitação imediata do filho

Descritor D9 – Identificar a tese de um texto

  1. Qual é a tese principal da crônica?
    a) Os jovens são irresponsáveis e inconsequentes
    b) As famílias devem controlar rigidamente os filhos
    c) A juventude continua tendo sonhos, apesar das diferenças geracionais
    d) A terapia é a única solução para conflitos familiares

Descritor D13 – Inferir informações implícitas em um texto

  1. O que se pode inferir da atitude final do pai após falar com o terapeuta?
    a) Ele continua sem entender o filho
    b) Ele passou a compreender melhor o filho e a si mesmo
    c) Ele decide afastar-se da família
    d) Ele considera internar o filho
  2. O terapeuta não cobrou pela consulta porque:
    a) Queria ajudar o filho a fugir dos pais
    b) Achou o caso sem importância
    c) Era amigo da mãe do rapaz e quis ajudar de forma informal
    d) Já conhecia o rapaz de outro lugar
  3. O que sugere o fato de o rapaz desejar "dividir a vida com alguém" e “ter um filho”?
    a) Que ele não quer responsabilidades
    b) Que ele deseja uma vida afetiva estável, apesar da aparência rebelde
    c) Que ele é ingênuo e infantil
    d) Que ele quer enganar os pais
  4. Ao longo da crônica, a imagem construída do rapaz mostra que:
    a) Ele é rebelde sem causa
    b) Ele tem valores próprios, embora não sejam compreendidos pelos pais
    c) Ele se recusa a estudar
    d) Ele busca se afastar da família para sempre

 

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